11.02.2008

Shadows of Ourselves

Pela areia adiante, caminharei pois até ao infinito de mim mesmo.Sozinho com os meus pensamentos.Mas pensar cansa tanto como levar um peso morto dentro da cabeça.E dói como um espinho encravado num calcanhar.Toda a vida me tem doído pensar.Páro, afasto de mim os pensamentos.Sem eles, os olhos ficam mais lúcidos;e o sofrimento deixa de pesar sobre o coração.Olho depois a sombra, a minha própria sombra, esta que se projecta à minha frente, sobre a areia da praia.De pronto me reconheço todo nela.Em regra, as sombras são muito maiores e bem mais disformes do que os corpos que as produzem.Mas a minha não.Parece-se demasiado comigo.
«Será isto o meu corpo?»,pergunto-me.
Não, não pode ser.Eu sou um outro dentro do meu corpo.A minha própria evidência revelada, o enigma decifrado do meu ser.Esta não é a minha sombra deitada na areia.Pode talvez estar a acontecer-me uma estranheza de mim para comigo.Ou uma alucinação.Ou tão-só o sonho do sonho de um sonho, não sei.Na verdade, ningém pode separar-se da sua sombra, do seu nome, da sua honra.Quando o sol lança sobre a reia algo tão profundamente nosso que ainda não conhecemos, isso só pode representar um prolongamento da pessoa,não o que nela se estranha, nem o que não nos pertence nela.Quem sabe se uma sombra de nós mesmos!
Olho-a de novo, e de novo a sombra se move em cada gesto ou movimento do meu corpo.Vendo bem, não se trata de uma simples projecção de mim, mas antes da minha pessoa em duplo.Como um decalque,numa sobreposição.A sombra é sempre uma caricatura da pessoa.Mas esta, repito, parece-se excessivamente comigo.O que mais me intriga é que tal semelhança vale tanto para o geral como para os mais ínfimos pormenores da minha fisionomia.A boca, o nariz, a testa, o jeito do cabelo, por exemplo.Não há que tirar nem pôr:um duplo de mim, um outro eu por dentro da minha pessoa.


-João de Melo-

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